sábado, 29 de março de 2014

A História de Lily Braun

Estou há algum tempo querendo escrever um texto sobre relacionamentos abusivos. Como é um assunto que mexe comigo e que me deixou marcas, é complicado e difícil.

"Eu tive um namoro abusivo."

 Acho que esta frase é boa pra iniciar a série infinita de coisas que gostaria de dizer. Explicar a dor, o trauma, e todas as sequelas vai ser bem complicado e não sei se saberei transmitir tudo exatamente da forma como gostaria. Por mais cicatrizada que possa parecer estar, falar ainda dói.
Eu tive um namoro abusivo. Não, ele não chegou a me bater, mas olhando para trás, acho que seria uma consequência lógica de todas as outras violências psicológicas por que passei.
Entrei nesse relacionamento já fragilizada por conta do término com o namorado anterior, de quem gostava muito, sabendo que não seria uma atitude responsável e inteligente continuar (não vou me aprofundar nisso, porque este texto não é um flashback da minha vida amorosa, o objetivo aqui é outro). Eu não achava que iria namorar de novo assim, tão rapidamente e este súbito interesse dele em mim me soou como uma excelente e apropriada fuga. Fugir da dor da perda.E assim fui e me deixei levar.
Apaixonada? Não, não se pode dizer isso, por mais que eu quisesse acreditar que sim e por mais que quisesse fazer acontecer.
E começaram os cortes... as roupas, os sonhos, os princípios que ele outrora apoiara, agora eram motivos de brigas e insultos, os amigose até mesmo meus desenhos e meu trabalho (que nunca foram valorizados).
Os ciúmes dele eram sempre justificáveis: eu sempre havia feito algo que o deixava inseguro. Os meus? Loucura, claro. Ele tinha princípios, eu não.
E aí vieram os telefonemas insanos de madrugada:
"Admite que vc me traiu e pede desculpas!"
"Você pensa que eu sou idiota?! Você está dando mole pra esse cara na minha frente!"(neste caso, um bartender a quem eu pedi uma cerveja)
"Você está me enganando?!"
"Até onde você foi com este cara?"
"Da onde você conhece ele?"
Meus princípios e minhas idéias feministas eram "coisa de adolescente retardada", as piadinhas sobre estupro que ele compartilhava com os amigos e me chateavam eram "só uma brincadeira".
Beber era um problema, viajar era um problema, conversar com amigos, sair sozinha, etc, era problema.
Almoçar com colega de trabalho era problema. Usar short curto era problema. Chegou a um ponto em que sair com amigos dele era problema também.
E quanto mais cedia, mais era exigida e mais ficava maluca também (você adoece junto com a pessoa), e quanto mais maluca você fica, mais brigas e mais motivos para que vc se ache a culpada de todo o fracasso do relacionamento. E aí vem a culpa. E a culpa te faz ficar. Você quer fazer dar certo. Você acha que precisa fazer dar certo.
E eis que surgiu o tal dia. O dia em que eu, surtada de ciúmes psicóticos e raivosa, pois você também começa a cobrar coisas insanas, entrei no Facebook e, talvez por inconscientemente querer me vingar, mandei um "olá" para um ex-qualquer-coisa. Meu facebook estava aberto na casa dele. Ele acompanhou a conversa (que não dizia nada além de "oi, tudo bem?"). Brigamos. Terminamos. Me sentia culpada por ter falado com quem eu quis falar. Crime hediondo. Voltamos.  A partir dali, o abuso ficou mais forte e evidente. Tive meu facebook investigado, mensagem por mensagem. Tudo era motivo para ser chamada de "piranha", "vagabunda" (por vezes na rua, na frente das pessoas). Todos os insultos eram de cunho sexual.
 Nosso candidato à prefeitura do Rio perdeu as eleições e isso virou motivo pra que ele me ofendesse enquanto ligava pra ele de um canto do quarto do hospital onde minha avó estava internada com câncer. Dessa vez a desculpa foi "Fiquei chateado porque acreditei que esta eleição estava garantida."
Terminamos. Sofri. Descobri coisas que a esta altura já nem deveriam importar mais. Mas importaram. Outras coisas foram ocorrendo e me mostrando que tinha tomado a decisão certa.
O tempo passou.
Reafirmei, mais fortemente que nunca, todas as coisas em que já acreditava antes disso tudo. Li, me aprofundei, passei a me entender muito mais.

Essa exposição toda de mim e de meus sentimentos são por uma causa maior: gostaria de que ninguém mais passasse por esse tipo de situação. Esse tipo de relacionamento é muito mais comum do que se pensa. Após passar por isso e conversar com amigas sobre, descobri que muitas delas passaram pelo mesmo, mas não gostam de contar.. por medo ou vergonha.  Gostaria de dizer a você que passa por coisa semelhante ou pior: você é forte, não deixe ninguém diminuir sua auto-estima, não deixe ninguém te fazer acreditar que você não é isso tudo que você sempre soube que era. Você é demais, tão demais que está sendo capaz de suportar um relacionamento que destrói sua personalidade aos poucos. Direcione esta força a você mesmo e siga em frente.
Ao mesmo tempo em que não gostaria de ter passado por isso, me vejo melhor e mais forte agora. Me vejo ciente do que acredito, vivendo plenamente da forma como me convém, me vejo grande e tenho orgulho por estar cada dia mais empenhada em fazer deste um mundo mais digno.

Não escrevo bem, perco toda a minha pouca eloquência quando me emociono e, frequentemente, choro. Perdoem a pobreza do texto, mas não saberia escrever melhor.




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